sábado, 29 de novembro de 2014

Camisa de bombazina: estudo de natal



assobio para o lado a poesia
toda de não ser feliz;
o tecido inconsútil do sorriso.
na escada partida do hospital
correm insectos e membros dilacerados.
escutamos o vento e as mulheres
dançam em espiral na sala da enfermaria
em que o café; as máquinas avariadas
com snacks do outro lado do vidro;
demasiado espaço invisível a separar os
meus lábios. o braço esquerdo prestes a partir
e a música do telemóvel em espera com
a voz de alguém que morre do outro lado
da linha. cose-se o queixo amarelo
com fio de pesca “para não se ver o
sorriso que os mortos deixam agora”
e
apaga-se o número do pescoço; a
identificação dos órgãos a sobrar do
corpo, do espaço metafísico que é o
poema: um animal ferido na planície
de pedra. nenhum arbusto, tão pouco,
para esconder o silêncio e morrer em paz;
adormecer no comboio que atravessa
a ponte e saltar com os olhos fechados;
um livro de poemas na mão esquerda,
o braço prestes a partir e os lábios separados
por dentro; uma linha partida de fio de
pesca e o teu olhar plano a explicar que,
um dia, talvez um abraço me sirva
e se esgotem as palavras; os poemas;
as máquinas de insectos em espiral.
este beijo de vidro no pescoço.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Vegetable Candy



Her hair was curly;
she was beautiful.

my wrists are unblemished.
I cross the threshold of anguish;
eyes closed, bare feet
and some ripped clothes;
sweat stains under my
arm pits. the existence
is dirty – Kierkegaard should
know it better -  and I whistle
like a nation would; ready
to be demolished and
fall into oblivion.

I repeat: my wrists are
unblemished -
the uttermost evidence
of the existence of god.  
               

domingo, 16 de novembro de 2014

Vinte e dois nós e meio



espalhar as canetas sobre a mesa; o tampo
manchado de vinho e sangue.
a tinta e o plástico; a tampa roída de outras
noites sem dormir . acender um cigarro
com um fósforo molhado e morder o filtro
para não chorar. 

se chegares entretanto não faças barulho
- a terceira tábua depois  da porta tem o hábito
de ranger quando se passa sobre ela devagar -
agarra-me o braço adormecido como se não estivesse
já demasiado frio. movimenta-o de um lado
para o outro e diz que o amor, afinal, não
se despede sozinho. não se vende na
loja de conveniência na prateleira
dos napperons. apaga as luzes;
fecha os olhos: os teus. o que fui
leva-o contigo e deixa que a densidade
da noite se abata sobre o telhado;
sobre este corpo que sonhou
irremediavelmente.

Fertilidade de Péricles



uma pedra sobre a síntese
do corpo e as tuas palavras
todas a povoar o quarto
vazio; as paredes cheias
de animais (quase) vivos
e o movimento mecânico
das pernas cansadas
a consentir o espaço
que se ocupa durante noite;
os livros ainda sobre a mesa
partida são o reflexo do solstício;
a agonia e o elástico degradado
como se a apertar umas folhas
vazias a cheirar a limão.
a estrutura das mãos marcada
na contracapa e o teu assobio,
em contra-tempo, a subtrair ao
universo todas as teorizações
possíveis. a estética, a morte,
o movimento mecânico das palavras
sobre as pernas cansadas; o espaço
consentido no meu peito para um
reflexo invisível .
o rosto intensamente azul e os
pés frios a segurar a matéria
inaugural; um rio a formalizar
a fluidez da alegria num tempo
em que as cheias habitam a
penumbra íntima; os lábios secos
a dificultar a articulação e
alguém deitado na minha
cama a recitar a Ilíada em
latim. as palavras mecânicas
e cansadas sobre o movimento
das pernas. a noite a cheirar
a limão e os meus olhos (sempre)
demasiado perto dos joelhos
para proteger o mundo
da percepção incauta; a vontade
fértil do horizonte mínimo.  
se puderes abraça-me, ainda,
quando a noite, o espaço,
o cansaço; o sorriso mecânico.