domingo, 31 de janeiro de 2016

inquisição

daqui a 40 anos 
ainda terei o sabor
da derrota entre 
os dentes.
abrirei os sulcos
por onde escorrerá
a vertigem das palavras 
e deixarei que me 
olhes de perto. 
que admires a beleza 
inerte do desespero; 
os olhos recortados 
de uma criança 
submersa no
tanque do quintal.
uma única voz 
no silêncio,
suspensa,
a desacelerar 
um poema 
que foge 
a 1480 m/s 

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

the nightshift

that woman told me different
things about love. she was
naked and I was drinking
whisky, sitting in a cold
copper bathtub;
I had lost one sock,
at least, and
that was the most
important thing I had.
I was crying and staring
at a million things over
the dirty mirror.
she was probably beautiful;
the door was being knocked
for at least ten minutes
and I could be sure
she was pregnant.
the deep warm eyes
of a kid calling me
dad fettered my
dead brain
while I was
trying to find a
shot under the
broken tiles.
he’ll know all about
Hemingway
and other classics
he’ll someday read good advices such as:
 [“write the truest sentence that you know”]
pick up the black pencil
and spell
“fuck this”
over the kitchen table.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

rasaltab

foi um gato
feito de amor.
dormia com o nariz a
tremer e deitava-se
sobre a folha em branco
para me inutilizar as palavras.
substituiu-se à caneta partida
enquanto os olhos vertiam
uma aurora pela noite dentro.
ensinou-me a sorrir em silêncio
e a guardar a vida toda
entre a retina e o esquecimento.
andava sobre a relva como
se flutuasse e gritava uma
voz estranha de criança
que foi, em tempos, o
que sobrou do meu tórax.
uma vibração constante;
o neutrino que sobe e
desce o universo pela
escada de emergência.
atravessa a cidade com
o cansaço apenas de
recordar o caminho
em chamas. a carne
como combustível
e o espelho do quarto
do avesso a guardar
a realidade:
o negativo de um
fausto poema
rasurado.


fui de um gato
que amou sem saber.
que dormiu e dançou
e soçobrou inconstante.
estilhaçou a poesia
[a sua utilidade ]
com a ausência de um corpo
que estremece
sobre uma folha em branco
vincada. 


terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Darwin bebia café numa chávena de porcelana

escrevi um postal à pressa
com o teu nome e expedi-o
aleatoriamente para uma rua
que não existe.
levou dentro a beleza inteira
e eu fui tombando pela inclinação
das vinhas. as pernas feridas
verteram o inverno sobre
o vermelho das vides;
a roupa rasgada deixou
de servir a estética que
se pede a um corpo sem alma,
mas um coração entorpecido
é  uma prensa para a sensação;
a segregação dos neurónios sobre
um músculo magnético:
o amor evolucionista
e inadaptado. quase extinto,
quase morto, quase nada. 

domingo, 24 de janeiro de 2016

do tempo

nunca soube nada sobre
o amor. as palavras são
uma vertigem apenas. 

escrevo num quadro de giz:
“a aflição do presente é querer
garantir que o passado e o futuro
não ocupam lugar nenhum”,
enquanto inundo o presente inteiro
com memórias. o teu sorriso, talvez.

algures, há uma caixa de amanhã
e não estás lá dentro.
só o tempo
que permanece sem ti. 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

teorema V

enterro num vaso
dez pessoas vivas
e
dez pessoas mortas
com lâmpadas de
duzentos watts
sobre a cabeça.
dez dias depois
duzentos milhões
de parasitas
ocupam o espaço
da luz entre os
corpos separados
por uma distância
relativa de
dez centímetros.

a certeza, porém:
os números
são a melhor forma,
talvez a única,
de sustentar
a realidade.

(inserir gráfico)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

vastitas borealis

a minha geração
não tem uma guerra colonial;
não matou; não sofreu
excepto a desgraça
de não sofrer nada.

dói-lhe o braço esquerdo
da heroína e os olhos
da escuridão.
o afogamento é uma
dança de silêncios.
de distâncias.
já não chora nem bebe,
nem fuma como antes.
desaprendeu a liberdade
e o amor. soçobrou
no embalo das
casas fechadas; de
mãos cerradas com
crianças dentro
a sorrir.

amorfista militante.
é deus decadente
e restos de sopa.
pão de ontem.
olha-se de lado
excepto quando
a fome; a urgência
de um futuro
se dobra num abraço
mal vestido.
aposta os filhos no casino
e fala de geometria;
de segredos que ninguém
sabe. a felicidade.
uma leve queda para o
fracasso. para a
desmesurada paixão.
para a liberdade
como forma de opressão. 

talvez
a estática da televisão
tenha  1% da origem
do universo.
um pedacinho de
deus sem tempo
e hiper-real que
tropeça na
inexistência
também
da sua gestação. 

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

rigor mortis

a cask full of vacuum
and a water bear
dehydrating and dancing.
some dirty water and
it will revive [like a flower
or love]

a body that falls inside
will carry delusion
and nothing else.
vultures will write
poems of hope
while nibbling
your corpse.
you’ll cover
your head
and wait.
it will rain, eventually.
and you’ll never know
if it was the cold
or the idea of a
retired ballerina
kissing you
for the first time
again [the wet lips
like a melted bottle
of cheap whiskey]

you fall in love again;
the overflowing
emptiness crossing
the awkwardness
of your distempered 
skin [science told us
dead bodies can
still get goose
bumps.


for different reasons]