a lavadeira
- de joelhos -
no presépio já se prostitui
há mais de 24 anos. tem as
mãos em sangue e os lábios
estalados. chamam-lhe puta,
quando podem. foi violada
pelo próprio filho e ergueu-lhe
um milagre depois de o
asfixiar. mentiu com
determinação para que uma árvore
morta pudesse renascer de um dia
para o outro, cheia de espírito.
fez transbordar uma santidade
mórbida e capitalista na
babilónia.
a mãe do pequeno estafermo
tem saudades; tem sangue,
ainda, debaixo das unhas
e vai deixando presentes
de aniversário entre os ramos
da árvore centenária
que faz sombra ao discernimento
dos homens que lhe vão pagando
por mau sexo e bom desespero.
quando se cansam chamam-lhe
rainha do céu e vão embora.
ela chora sob o tórrido sol
e sente ainda o peso
de um filho que não
ressuscita; de
um sol que é deus
na terra. talvez
o pai incógnito
do novo espírito
que cresce, como um tumor,
dentro do útero dilacerado
e virginal.
-
do ano financeiro
sobram ainda 5 dias, ou 6.
é o tempo do
espaço vazio que se vai
enchendo de deuses,
álcool, tabaco e
restos de velhinhos
gordos e tarados desenhados
pelo Frank Arthur Nankivell.
terça-feira, 29 de dezembro de 2015
terça-feira, 1 de dezembro de 2015
Engels, Hegel e um prurido sintético
Falta-lhe
uma perna, agora. São problemas típicos da idade. As pernas caem, os dedos
entortam, os dentes acabam por ceder à consequência de sorrir pouco. É tempo de
lavrar as vinhas e revolver o estrume entre as partículas de suor sepultadas. Da base da encosta vejo dois homens enegrecidos pelo tempo: um
deles só tem uma perna e apoia-se em estranhos utensílios metálicos para não
cair; o outro empurra uma máquina amarela como se dançasse (não entendo a
música que ouve, a magia que o faz mover devagar sem tirar o chapéu nem os
olhos do sonho que termina o horizonte). O homem que a vida toda lavrou esta
terra olha para dentro dela como se fitasse o núcleo do planeta – tem as
memórias, o cansaço todo de cada hora silenciada pela perna que já não
encontra. Tem comichão, às vezes, na perna que lhe falta. Dizem que é normal e
que talvez pudesse imaginar no silêncio a melhor melodia de Tchaikovsky. Ele não sabe pronunciar bem os nomes russos e
não aprendeu a chorar. Aos 9 anos ensinaram-lhe que a vida é um privilégio ousado;
que a revolução estava cheia de liberdade dentro e deram-lhe uma corda para se aconchegar
ao tecto. Escravizaram a liberdade a sorrir; porque os homens são livres; podem
ainda arranhar o formigueiro que sobra - memória de um tempo em que a
inexistência era puramente conceptual.
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