terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Engels, Hegel e um prurido sintético

Falta-lhe uma perna, agora. São problemas típicos da idade. As pernas caem, os dedos entortam, os dentes acabam por ceder à consequência de sorrir pouco. É tempo de lavrar as vinhas e revolver o estrume entre as partículas de suor sepultadas. Da base da encosta vejo dois homens enegrecidos pelo tempo: um deles só tem uma perna e apoia-se em estranhos utensílios metálicos para não cair; o outro empurra uma máquina amarela como se dançasse (não entendo a música que ouve, a magia que o faz mover devagar sem tirar o chapéu nem os olhos do sonho que termina o horizonte). O homem que a vida toda lavrou esta terra olha para dentro dela como se fitasse o núcleo do planeta – tem as memórias, o cansaço todo de cada hora silenciada pela perna que já não encontra. Tem comichão, às vezes, na perna que lhe falta. Dizem que é normal e que talvez pudesse imaginar no silêncio a melhor melodia de Tchaikovsky.  Ele não sabe pronunciar bem os nomes russos e não aprendeu a chorar. Aos 9 anos ensinaram-lhe que a vida é um privilégio ousado; que a revolução estava cheia de liberdade dentro e deram-lhe uma corda para se aconchegar ao tecto. Escravizaram a liberdade a sorrir; porque os homens são livres; podem ainda arranhar o formigueiro que sobra - memória de um tempo em que a inexistência era puramente conceptual. 

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