Falta-lhe
uma perna, agora. São problemas típicos da idade. As pernas caem, os dedos
entortam, os dentes acabam por ceder à consequência de sorrir pouco. É tempo de
lavrar as vinhas e revolver o estrume entre as partículas de suor sepultadas. Da base da encosta vejo dois homens enegrecidos pelo tempo: um
deles só tem uma perna e apoia-se em estranhos utensílios metálicos para não
cair; o outro empurra uma máquina amarela como se dançasse (não entendo a
música que ouve, a magia que o faz mover devagar sem tirar o chapéu nem os
olhos do sonho que termina o horizonte). O homem que a vida toda lavrou esta
terra olha para dentro dela como se fitasse o núcleo do planeta – tem as
memórias, o cansaço todo de cada hora silenciada pela perna que já não
encontra. Tem comichão, às vezes, na perna que lhe falta. Dizem que é normal e
que talvez pudesse imaginar no silêncio a melhor melodia de Tchaikovsky. Ele não sabe pronunciar bem os nomes russos e
não aprendeu a chorar. Aos 9 anos ensinaram-lhe que a vida é um privilégio ousado;
que a revolução estava cheia de liberdade dentro e deram-lhe uma corda para se aconchegar
ao tecto. Escravizaram a liberdade a sorrir; porque os homens são livres; podem
ainda arranhar o formigueiro que sobra - memória de um tempo em que a
inexistência era puramente conceptual.
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