sábado, 29 de novembro de 2014

Camisa de bombazina: estudo de natal



assobio para o lado a poesia
toda de não ser feliz;
o tecido inconsútil do sorriso.
na escada partida do hospital
correm insectos e membros dilacerados.
escutamos o vento e as mulheres
dançam em espiral na sala da enfermaria
em que o café; as máquinas avariadas
com snacks do outro lado do vidro;
demasiado espaço invisível a separar os
meus lábios. o braço esquerdo prestes a partir
e a música do telemóvel em espera com
a voz de alguém que morre do outro lado
da linha. cose-se o queixo amarelo
com fio de pesca “para não se ver o
sorriso que os mortos deixam agora”
e
apaga-se o número do pescoço; a
identificação dos órgãos a sobrar do
corpo, do espaço metafísico que é o
poema: um animal ferido na planície
de pedra. nenhum arbusto, tão pouco,
para esconder o silêncio e morrer em paz;
adormecer no comboio que atravessa
a ponte e saltar com os olhos fechados;
um livro de poemas na mão esquerda,
o braço prestes a partir e os lábios separados
por dentro; uma linha partida de fio de
pesca e o teu olhar plano a explicar que,
um dia, talvez um abraço me sirva
e se esgotem as palavras; os poemas;
as máquinas de insectos em espiral.
este beijo de vidro no pescoço.

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