sábado, 11 de julho de 2015

conferência lógica para matemáticos de vidro

o miúdo de calções de sarja
risca a parede com duas ou
três palavras imperceptíveis;
desenha sobre o eco da própria
voz o sofrimento que ninguém
vê; o silêncio que não se ouve.
embrulha um pedaço de pão
na camisa rasgada e tenta
dominar as lágrimas com a
sujidade das mãos; as unhas
enegrecidas de um tempo em
que foi necessário arranhar o
ladrilho da droga que soçobra
os olhos a um pai e lhe conduz o
sangue pelos cantos da boca
com a delicadeza de uma mulher;
um corpo que dança a lâmina de
um animal desfeito.
o miúdo de calções de sarja
gosta de subir a árvore mais
alta do bairro e olhar para os
pássaros mortos dentro do
ninho. gosta de gritar alto
que, visto de cima, todos os
corações se assemelham
a um incêndio pequeno no
peito e no cérebro;
que talvez já seja tarde
para encontrar uma casa com
um bocadinho de amor; duas ou
três palavras perceptíveis para
riscar na parede vazia.
as unhas enegrecidas a arranhar o
desespero da criança acabada
antes de tempo. que olha para
dentro dos pássaros como se
viajasse para dentro de si
e se fosse implodindo
devagar. uma bicicleta com
ferrugem a descansar a parede
de um quarto riscado
com uma criança; o que resta dela;
em troca de meio quilo de haxixe. 

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